Os “heróis do mar” da U.Porto
“Orgulho” é a palavra que descreve a prestação da seleção nacional no Mundial de Andebol, disputado de 14 de janeiro a 2 de fevereiro, na Noruega.
O Centro de Desporto da U.Porto esteve à conversa com os três estudantes da Universidade do Porto que integraram a seleção que, depois de alcançar o 4º lugar no Mundial de Andebol, fica na história do andebol português – João Gomes, Diogo Rêma e André Sousa.
Sobre os estudantes-atletas
João Gomes está a frequentar o 1º ano de Mestrado em Bioengenharia na FEUP. Ingressou com uma média de 18 valores e joga a central e lateral direito. Atualmente, concilia o Mestrado com o Sporting Clube Portugal, em Lisboa.
Diogo Rêma, estudante do 2º ano da Licenciatura em Gestão na Faculdade de Economia do Porto, garantiu o seu apuramento ao ensino superior com uma média final de 19 valores. Para os leitores que não são tão bons com nomes, Diogo Rêma é o guarda-redes que nos fez saltar do sofá em vários jogos deste mundial, nomeadamente contra Espanha, onde foi eleito o Melhor Jogador em Campo. Neste momento, veste a camisola da cidade e joga no Futebol Clube do Porto.
E André Sousa, estudante do último ano de Mestrado de Engenharia e Gestão Industrial na FEUP, entrou na Universidade com uma nota final de 19 valores. Apesar de não integrar o plantel inicial da seleção, recebeu diretamente de Oslo a chamada do Selecionador para substituir Miguel Martins. Atualmente, o André é o central do ABC de Braga.
À conversa com o CDUP-UP, os três estudantes-atletas contaram como foi a experiência de representar Portugal no Mundial, atingir um resultado histórico para a modalidade e, também, de que forma conciliam a vida de estudante com a de atleta de alta competição.
A melhor classificação de sempre de Portugal no Andebol além fronteiras
Este Mundial de Andebol ficará certamente na memória dos três estudantes-atletas, não só pelo resultado histórico conquistado, mas também por ser a estreia de João, Diogo e André nas fases finais da Seleção A. Sobre este quarto lugar inédito, João Gomes reflete sobre o “orgulho em jogarmos ao lado de grandes atletas e por alcançarmos este feito. O trabalho desenvolvido tem sido excelente, tanto na seleção como nos clubes e isso reflete-se na nossa evolução”.
Este resultado, como refere João Gomes, é fruto de um esforço crescente de elevar o nível do campeonato nacional, bem como as presenças e resultados dos clubes portugueses nas competições europeias. Sobre este crescimento, também Paulo Pereira, selecionador nacional da modalidade, afirmou anteriormente a outro meio de comunicação social: “se há 20 anos nos dissessem que íamos conseguir o quarto lugar num Mundial, ninguém acreditaria.”
Este resultado trouxe a merecida atenção ao Andebol, concordou o atleta do SCP: “Isto é ótimo para o nosso andebol e para o desporto em Portugal. Também para se perceber que Portugal não é só o futebol. Temos grandes atletas em todas as modalidades, que também fazem competições extraordinárias. Acho que um caminho para Portugal passa por conseguir investir e potenciar essas conquistas.” Diogo Rêma concordou com esta reflexão do colega de bancada, afirmando que “a qualidade é óbvia e só há espaço para uma evolução. Penso que a Federação (Portuguesa de Andebol) está a trabalhar da melhor maneira, mesmo com as seleções jovens”.
André Sousa recebeu a convocatória em cima da hora, quando a equipa já estava em Oslo – “Eu não estava convocado inicialmente, mas quando fui chamado senti um enorme orgulho. Gostei muito da experiência e agora o objetivo é manter-nos neste patamar e continuar a evoluir.”
Diogo Rêma, estudante da FEP, assinala ainda o bom contributo dos atletas mais jovens para o resultado da seleção portuguesa e para os planos futuros traçados para a modalidade: “O facto de termos tantos jogadores jovens é muito positivo para a continuidade do trabalho.” André Sousa concordou com esta afirmação e reforçou os bons resultados das seleções jovens, sugerindo ainda que, com esta evolução, “podemos almejar por medalhas e títulos, quem sabe”.
Desafiar as probabilidades e contrariar o esperado
O apuramento de Portugal no main round implicou eliminarem grandes equipas do Andebol. Depois desta fase, qual foi o sentimento da equipa?
“Vou falar sobre o que eu senti”, começou por avisar João Gomes. “No Sporting temos uma mentalidade vencedora, e na seleção foi igual. Percebemos que podíamos competir de igual para igual com qualquer equipa.”
Muitas vezes se diz, e bem, que querer é poder, e foi de facto essa a mensagem que os estudantes-atletas da Universidade do Porto passaram: apesar da dificuldade esperada ao enfrentar as grandes equipas, a força e a garra falam mais alto. Com foco no resultado e não nos obstáculos, o caminho até ao 4.º lugar foi conquistado a pulso, como relembra Diogo Rêma: “A partir do momento em que conseguimos empatar com a Suécia e vencer a Espanha, que são seleções medalhadas em quase todas as competições, sabíamos que podíamos enfrentar qualquer adversário”.
André Sousa, sobre este assunto, reforça também que “os jogos do main round foram muitos importantes para nós“. “Sentimos que podíamos ganhar a qualquer equipa: passámos pela Noruega, Suécia, Espanha, Alemanha e França”.
Enfrentar a Dinamarca, seleção agora tetracampeã mundial de Andebol, foi um desafio que os portugueses não subestimaram, mas também não desistiram, como confidenciou Rêma, “apesar da fama da equipa dinamarquesa, fomos à luta com a mesma força como contra qualquer outra seleção. Tivemos sempre a ambição de querer mais.”
Portugal ficou de olhos postos nos “heróis do mar” em Oslo
“Nós já tínhamos ouvido falar que as transmissões na televisão tinham conquistado muitas visualizações, mas só tivemos realmente noção do impacto quando voltámos a Portugal”, relembrou João, estudante da Faculdade de Engenharia. André Sousa confirmou este “alheamento” do que se passava cá enquanto brilhavam em Oslo – “Nós não tínhamos noção da quantidade de pessoas que começaram a ver Andebol, ou até mesmo das que recomeçaram. Foi interessante regressar e sentir esse reconhecimento, não só do nosso resultado, mas também da modalidade”.
Conciliar os estudos com a carreira desportiva
Ter uma carreira dual é um projeto desafiante que obriga a boas estratégias de gestão de tempo e organização de trabalho. Questionado sobre como conciliam os estudos com a carreira desportiva, João Gomes, da FEUP, confessou que “é muito complicado gerir a carreira profissional desportiva com os estudos”. A treinar em Lisboa, tenta dar o seu melhor mas relembra que “com dois jogos por semana, várias viagens de avião e estágios, gerir as duas carreiras torna-se muito complicado”.
Sobre o período do Mundial, que coincidiu em parte com a época de exames do primeiro semestre, André Sousa afirmou que, apesar do foco estar na competição, ainda conseguiu entregar um trabalho – “já estava quase tudo feito, mas ainda dei lá uns toques finais e acabei por concluí-lo”. Ainda assim, nem todos conseguiram concluir todas as tarefas da Universidade a tempo da competição, tal como com João Gomes: “no meu caso, como o Mundial decorreu na época de exames, falhei à maior parte deles. Nós temos o Estatuto de Alto Rendimento, no entanto, o mesmo tem uma validade de dois anos. Por exemplo, antes do Mundial, o meu já tinha “expirado”, pois a minha última competição em fases finais internacionais tinha sido em 2022”.
André Sousa, da FEUP, sublinha ainda o cansaço associado à carga destas duas carreiras – “chega a um nível de treino no qual o corpo precisa de descansar. Às vezes não é fácil ter, não só a mentalidade, mas também a disponibilidade para estudar”.
Sobre a gestão de tempo, apesar de admitir que nem sempre é uma tarefa fácil, também reconhece que “o facto de termos esta vida desde muitos jovens prepara-nos para o futuro”. André Sousa reforçou ainda a importância da igualdade de – “há coisas que podem ser feitas, quer pelos atletas como pelas entidades envolvidas, para tornar este caminho mais igualitário face aos demais estudantes”. Diogo Rêma corrobora este apelo de que “o apoio da Universidade é crucial.”
Entre as principais dificuldades, Diogo, estudante da FEP, realça a acessibilidade na marcação de exames – “se houver uma ajuda por parte da Universidade, farei de tudo para completar as cadeiras com sucesso. Infelizmente, nos poucos anos em que estou na faculdade, tive muito pouco apoio por parte da Universidade. Eu estive um ano em Engenharia Mecânica na FEUP e só consegui completar as cadeiras graças ao apoio que a faculdade me deu. Marcaram datas especiais para os exames, de forma às mesmas não coincidirem com estágios da seleção”. Sobre a mudança para a Faculdade de Economia do Porto, admite que “tem sido complicado, porque eu mesmo querendo fazer as cadeiras, não tem existido grande disponibilidade por parte da faculdade para conciliar a carreira dual. Claro que eu tenho de me esforçar, e mesmo que tenha apenas 2, 3 dias para estudar para uma cadeira, vou fazê-lo”.
Colmatar as dificuldades e potenciar o apoio aos Atletas de alto rendimento
A U.Porto é uma das seis instituições de Ensino Superior que integra o projeto piloto das Unidades de Apoio de Alto Rendimento do Ensino Superior (UAARE Superior). Qual a importância deste apoio para os estudantes-atletas?
A esta pergunta, os três estudantes-atletas da U.Porto responderam de forma unânime ao afirmar que pode ajudar muito os atletas a conciliar estes dois lados da sua vida.
“Estas iniciativas são sempre muito positivas”, afirmou Diogo Rêma. Também João Gomes, do Sporting, concorda que o projeto UAARE Superior “pode dar aos atletas a possibilidade de gerir a sua carreira estudantil com a carreira desportiva, contribuindo para uma maior facilidade em estudar, em poder estar presente na faculdade, fazer frequências e exames”.
Já a meio do último ano de mestrado em Engenharia e Gestão Industrial, André Sousa poderá acabar por não tirar partido dos benefícios proporcionados pelo Projeto UAARE. Ainda assim, não deixa de elogiar a iniciativa da U.Porto e das demais 5 instituições do Ensino Superior envolvidas – “Estas iniciativas têm que ser sempre de louvar. Nós que estamos lá, temos ainda mais consciência das necessidades dos atletas. Toda a gente tem noção de que há atletas que deveriam ser melhor apoiados. Existir uma espécie de entidade, um movimento a nível nacional por parte do Governo, é muito importante porque vai criar bases sólidas”. André Sousa refere ainda que este projeto traz uma oportunidade para “definir melhor as regras do jogo”, permitindo “saber com quem contar – professores, alunos, administrativos, etc. Ao mesmo tempo, padronizar os processos para que, novamente, seja garantida a equidade de oportunidades”.
João Gomes, André Sousa e Diogo Rêma terminam esta entrevista da mesma forma: a celebrar esta iniciativa por parte da U.Porto e a reconhecer a importância que terá, não só para os mesmos, mas também para os outros vários estudantes-atletas que estudam e competem.
André Sousa concluiu então que “projetos assim criam bases sólidas para o futuro dos atletas, garantindo regras claras e tratamento justo”. Diogo Rêma com um apelo “É necessário serem estabelecidas regras de fácil interpretação por parte de todos para não haver diferenças de tratamento entre atletas e universidades”.
Os primeiros passos da UAARE Superior na U.Porto
Até ao dia 15 de fevereiro decorreram as inscrições dos estudantes-atletas da U.Porto neste projeto piloto. Ao cuidado do Centro de Desporto da Universidade do Porto, os 40 inscritos serão contactados de forma a ser aferido o cumprimento de todos os critérios para posterior atribuição do estatuto, tal como já é feito nas UAARE no Ensino Secundário.
De relembrar que este projeto piloto, proposto pelo Governo Português, está a ser implementado por 6 instituições de ensino superior em Portugal Continental – Universidade do Porto, Universidade de Aveiro, Universidade do Minho, Universidade de Coimbra, Politécnico de Santarém e Politécnico de Leiria.




